segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Quadro Inacabado

Preparo-me para a morte
Como quem planta um jardim
Regando cada flor, tranqüilamente.

Preparo-me para a morte
Como a velha reza o terço
Na cadeira de balanço, sonolentamente.

Preparo-me para morte
Ouvindo um blues, pintando um quadro
Desenhando arvores, pedras e beija-flores
Escrevendo poesia.

Preparo-me para a morte
Porque me apaixono todo dia
Porque toda a paixão é uma morte
E todo dia mato um pouco de mim mesma.

Preparo-me para a morte
Porque estou cansada
De múltiplos cansaços
Sem remédio, sem cura.

Preparo-me a morte
Com remorso de tanto que não fiz
De tanto que não falei, que não fui
De tanto que não quis...

Preparo-me para a morte
Fugindo da utopia dos meus sonhos
Sem ideologias, sem perfume, sem platéia.

Preparo-me para a morte
Porque as feridas doem, como doem!
Porque a vida, meu Deus
A vida da câncer.

Preparo-me para a morte
Porque é cruel a evasão do equilíbrio
Do meu corpo, da minha mente
A evasão do mundo...

Preparo-me para a morte
Com a urgência de um feto
Com a paciência de um pintor
E o receio de um escritor.

Preparo-me para a morte
Que talvez nem seja a minha
Nem a de ninguém
Preparo-me para a morte
Sobretudo deste poema
Que anseia por morrer
Inacabado
Inacabado como o quadro na parede.

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